sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um prato do Norte ... à maneira de Delft ou Nevers



Uma peça decorada à maneira de Delft (?) ou Nevers (?)


Imagem retirada da internet
Na foz do rio Lima, Viana do Castelo abre-se ao Atlântico. Desde cedo vocacionada para o mar, estabeleceu laços comerciais com várias regiões, entre elas o norte da Europa. Esta imagem serve para introduzir um prato de faiança, que tanto pode ser atribuído às fábricas de Darque, em Viana, como de Massarelos, no Porto. Ambas produziram peças, marcadas ou não, com este tipo de gramática decorativa.


Este prato ladeiro pertenceu a um serviço de jantar. Na  sua decoração surge uma ave exótica - a arara - empoleirada num círculo, encimando uma elaborada composição paisagística. Tal elemento é estranho às ornamentações mais usuais da nossa faiança, pelo que não é de todo despropositado imputar-lhe uma influência holandesa. Na aba, conjuntos de três pontos dispostos em pirâmide, ladeados por filetes formando serrilha.
A paleta cromática, nos tons de azul, verde, amarelo e laranja, a qualidade do esmalte, a pintura fina e bem executada permitem a sua aproximação àquela produção.

As fábricas de Viana e Massarelos também produziram peças - que colhi após uma breve investigação - com decoração semelhante  à deste exemplar.
Não sabendo bem qual delas terá iniciado esse ciclo, Arthur de Sandão inclina-se para Viana "como consequência do próspero tráfico portuário que a vila mantinha com aquela nação [Holanda]. Além disso também há semelhanças de estilo e policromia no exemplar vianês, reconhecida por marca a vinoso e esmalte branco-azulado que lhe realça a afinidade com as peças de Delft".

Arthur de Sandão "Faiança Portuguesa, Séculos XVIII e XIX", pág. 175

Outro exemplar, muito semelhante, integra o acervo do Museu Nacional Soares dos Reis. Coincide  na posição do pássaro, no duplo filete, nas ramagens, flores e barra da cercadura. Diferencia-se pelos rochedos e curso de água. Está marcado com o característico V., identificativo do fabrico de Viana.


MNSR INV 581

MNSR Inv 581

Na Exposição da Fábrica  de Massarelos, realizada em 1998 no Museu Nacional Soares dos Reis e também pertencentes ao seu acervo, surgem mais dois pratos, ambos marcados, com os números de inventário 381 e 380  ( página 115 do respectivo catálogo). Neles pode observar-se uma decoração menos exuberante, com analogias no esquema organizativo, mas diferenciada a nível de pormenores. Nos dois foi aposta a marca P, em amarelo torrado, no primeiro, e a azul, no segundo.
No segundo período de produção da fábrica de Massarelos, entre 1819 e 1845, as peças apresentam uma pasta fina, esmalte branco, podendo admitir-se que as decorações fossem inspiradas em gravuras ou pintadas à mão livre, sem contornos.

MNSR Inv.381

MNSR Inv 381

MNSR Inv 380

MNSR Inv 380
A faiança holandesa de Delft, pela qualidade do seu esmalte e pela ornamentação fina e apurada, aproxima-se da porcelana chinesa. Após a conquista de Antuérpia por Filipe II, muitos ceramistas italianos, aí instalados  desde o início do século XVI, vão mudar-se para a cidade de Delft. Os artesãos imitam as cores chinesas. Surge, assim, o azul de Delft. 
No entanto, também produziam peças com viva policromia, como as que se seguem. O tipo de composição- pássaro representado de costas - com uma plumagem rica de cores e a cabeça inclinada para o lado esquerdo, tendo como poleiro um ramo de árvore, mostra muitas afinidades compositivas com as peças de Viana e Massarelos.

Imagem retirada da internet

Imagem retirada da internet
Por último, um prato de produção francesa de Nevers que conheceu o seu período áureo durante os séculos XVII e XVIII.  O pormenor da arara e da libelinha, que se apresenta como seu elemento decorativo, pode bem ter sido a fonte de inspiração para os pintores de Massarelos.

Imagem retirada da internet


Não quero fechar este post sem agradecer ao seu proprietário  a disponibilidade que demonstrou ao permitir a publicação da sua peça.




Catálogo da Exposição "Fábrica de Massarellos Porto 1763-1936", MNSR, Porto,1998
Vasco Valente "Cerâmica Artística Portuense dos séculos XVIII e XIX"
Arthur de Sandão "Faiança Portuguesa dos séculos XVIII-XIX"








domingo, 15 de dezembro de 2013

Natal de 2013


BOAS FESTAS




A expressão serena de dois anjos candelários que adoram o infante Jesus. Uma coroa de vides aquece o Menino.
Nesta época de consumismo e prendas, um singelo Presépio, feito de materiais reciclados, recorda a simplicidade do Seu nascimento. Alegria e partilha. Que sejam esses os nossos  presentes! 
Um Feliz Natal para todos.




sábado, 7 de dezembro de 2013

Fervença: um tesouro escondido

Um tesouro escondido de faiança ...




Num impeto de "fada do lar", arrumando um armário, deparei com este belo peixe, já servido no prato, que considero atribuível a Fervença. Lembro-me de o ter adquirido no Alentejo, por uma razão muito simples e sentimental - desde sempre, em casa dos meus Pais, expostos numa das paredes da sala de jantar, existiram dois pratos que penso, hoje, com alguma segurança, serem de produção da Fábrica de Bandeira: um imponente galo e um prato de garfo e faca, cruzados, intercalando postas de peixe.  Numa das suas viagens de serviço e porque os achou apelativos, meu Pai comprou-os em Borba. Acompanhava-o um colega de serviço, coleccionador experiente que, por graça, o aconselhou a iniciar a sua própria colecção - que se resumiu unicamente a esses ditos pratos. Um dia destes apresento-os ao vosso conhecimento.

Manuel Nunes da Cunha fundou a fábrica no ano de 1824, no lugar de Fervença, em Gaia, junto à cerca do Convento da Serra do Pilar. Seu filho, e continuador na direcção da empresa, Joaquim Nunes da Cunha, viu-se obrigado, mercê da abertura dos novos acessos à Ponte Pênsil  a desactivar esta unidade fabril e a proceder à sua transferência para as instalações da antiga Fábrica do Cavaco, que comprara ao seu proprietário, Barão de Sarmento. Em 1897, sucedeu-lhe seu filho, Luís Nunes da Cunha. Ignora-se a data de cessação de actividade.
A sua produção, de boa qualidade, caracteriza-se por apresentar uma pasta fina e leve com uma ornamentação onde sobressai uma forte policromia. Predominam as cores alegres e vivas, com destaque para os azuis, alaranjados e um verde muito próprio, com um tom mais claro e esbatido, diferente dos verdes de outras fábricas, principalmente Bandeira.

O peixe ( mea culpa, pois  não sei classificá-lo) está ladeado por um talher, a que associo os humildes garfos de ferro frequentes nas casas mais simples do país e com os quais se espetavam os alimentos contidos no prato único, usado para a refeição comum. Entre a decoração do covo e a da cercadura deparam-se-nos conjuntos de quatro pontos, em losango, que rodeiam todo o esquema decorativo. Este mesmo elemento figura, também, num prato  atribuído à produção de Fervença, propriedade do Museu de Etnografia e História do Porto e em depósito no Museu de Soares dos Reis, número de  inventário 649 MEP, representando os Meninos Gordos.





MNSR 649 MEP

A aba alegra a vista, nas suas cores vibrantes: azul, laranja e verde. Execução segura, em pinceladas largas e fortes, desenhadas à mão livre.



Dois pequenos apontamentos vegetalistas  intercalam-se entre a aba e os talheres.



Para finalizar e parafraseando Fernando Pessa com a sua expressão tão particular "E esta, hem?", um pequeno prato que, pelas cores e decoração, poderá também ser imputado à produção de Fervença.
Qual é a vossa opinião?