sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Uma incógnita...

Uma incógnita




O que será?
Que objecto misterioso será este?
Uma caixa redonda, forrada de papel, secreta, que suscita a curiosidade e pode levar a várias conjecturas.
Vamos levantar, um pouco, a ponta do véu...


É um trabalho artesanal, que denota  arte, minúcia, gosto, inspiração e muita paciência. Uma orla de flores e um pequeno folho rodeiam-no. Revele-se o enigma.



É uma "prenda de convento"(?).
Segundo o seu proprietário, a história da sua produção foi-lhe contada por um conceituado antiquário. Na sua região, Alentejo, eram prendas executadas pelas freiras, que as ofereciam às visitas, pessoas ou benfeitores do convento. Conversando com outros apreciadores de belas e algo insólitas peças, a informação oral que me foi transmitida, é a de que só seriam conhecidas duas "prendas de convento" (?) como esta.
Fruto de uma actividade paciente e laboriosa, é executada em linha, entrelaçada, formando dois corações, que repousam num ninho, também de linha, menos compacta, para que estes se possam evidenciar. Ramos de papel prateado dão-lhes realce. Uma cercadura de botões, intercaladas por minúsculas flores e frutos,de cores contrastantes, e de pérolas, rodeiam-nos.






Nesta imagem podemos ver, em pormenor, as pequenas cobras em cerâmica, dispostas um pouco ao acaso,  que simbolizariam o Mal, que o Bem - os corações-, venciam.

A produção de peças artísticas como esta, inseria-se nas tarefas quotidianas das irmãs, normalmente executadas na "casa do trabalho", nas horas determinadas pela abadessa. Acompanhadas pela leitura de textos espirituais, as freiras desenvolviam os seus talentos, ficando muitas vezes conhecidas individualmente, vendo o seu mérito artístico reconhecido, quer a nível social, quer nacional e, por vezes, mesmo além fronteiras.
Imbuídos de um simbolismo espiritual eram feitos com o sentido de exaltarem a fé, decorando espaços litúrgicos e pequenos altares particulares. Muitos outros objectos e trabalhos foram produzidas palas irmãs em clausura: flores, palmas, pequenos registos primorosamente decorados, que estabeleciam uma relação estética entre a devoção e o artístico. As dádivas/presentes, quer entre conventos, quer a seculares, perpetuam os laços com a sociedade exterior ao convento, numa relação estreita entre o sagrado e o profano.

Agradeço ao seu proprietário a permissão para fotografar e publicar as imagens.







sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Nossa Senhora indoportuguesa

Uma Nossa Senhora  indoportuguesa





Nossa Senhora indo-portuguesa, datável dos primórdios do século XVII, produzida, com forte probabilidade, por mãos de artistas indianos, em alguma oficina goesa.
Segundo Bernardo Ferrão, a imaginária do Oriente português é "aquela que foi esculpida no Extremo Oriente por artesãos indígenas, inicialmente sob a égide das missões portuguesas, copiando protótipos ocidentais, inspirando-se neles ou recriando-os em variantes próprias, mas utilizando materiais e técnicas locais e actuando sob o influxo da etnia e dos cânones e religiões ancestrais dos países respectivos"1.
A designação indo-portuguesa, segundo o mesmo autor, pode ter origem britânica e terá sido usada pela primeira vez por John Charles Robinson no prólogo do catálogo da exposição "Special Loan Exhibition of Spanish and Portuguese Ornamental Art",quando a comissariou, em 1881.
Desde então, muitos outros autores se debruçaram sobre este conceito: Sousa Viterbo, Joaquim de Vasconcelos, Luís Keil, Reinaldo dos Santos, Madalena Cagigal e Silva, aceitando, de um modo geral, a existência de numa influência oriental nas peças esculpidas, principalmente nas mais recuadas.
A sua produção inicial pode ter acontecido em terras goesas, copiadas/inspiradas em modelos idos de Portugal e feitas, quer por artesãos autóctones, quer por artistas nacionais, aí residentes. Face à crescente procura pela novidade e pelo exotismo que exibiam, o leque de interessados na posse de peças desta natureza  alarga-se e estas começam a ser executadas por encomenda. Modernamente, surgiu a hipótese de tais peças serem realizadas propositadamente para o mercado português.
A produção de arte sacra com características orientais, embora inspirada em modelos ocidentais, é numerosa e ganha forma em materiais diversos, dos quais se destacam as madeiras exóticas e o marfim. 
"As imagens das várias invocações de Nossa Senhora constituem, pela sua abundância, sua diversidade e seu valor iconográfico, o grupo mais importante da imaginária luso-oriental"2.

A imagem que se apresenta insere-se neste grupo. Exibe as características desta espécie de arte sacra: modelação "pseudocilíndrica" 3, extrema sobriedade no desenho e tratamento das formas.





Escultura de vulto de Nossa Senhora, de pé, segurando o Menino no braço esquerdo. Por sua vez, o Menino tem, na mão esquerda, um livro e a direita apoia-se no peito de sua Mãe. Os rostos, de olhos amendoados, nariz afilado e lábios finos, mostram expressões serenas,algo fechadas, demonstrativas do seu traço indianizante.
A indumentárias é composta por duas peças básicas: a túnica e o manto. A primeira, de decote cingido, cai até aos pés, em pregas que vão alargando até baixo. O manto, enrolado de modo invulgar, cobre a cabeça, deixando entrever os cabelos. Lançado sobre o ombro direito, é apanhado na cintura, formando uma prega funda do lado oposto.
Assenta numa peanha heptagonal, não se diferenciando nas costas e formando, assim, um único bloco.


Pode, ainda, observar-se alguma da sua policromia: vermelho, azul e dourado.

Escultura semelhante - com a mesma postura rígida, vertical e o pouco movimento que caracteriza a imaginária mariana das oficinas de Goa, de seiscentos - esteve patente na Exposição organizada por ocasião do ciclo de conferências " Índia:Terra de Impérios", promovido pela Associação Amigos do Oriente, em Novembro de 2002.








1-2- 3-Bernardo Ferrão de Tavares e Távora " Imaginária Luso-Oriental", Colecção presenças da imagem, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1983, págs. XIII, XXXV
Maria João Ferreira htpp:/fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=744