domingo, 21 de setembro de 2014

S. Vicente Ferrer, uma imagem alada


S. Vicente Ferrer




Pequena e graciosa imagem alada de S. Vicente Ferrer. 
Na iconografia cristã são assim figurados os santos dominicanos S. Tomás de Aquino e S. Vicente Ferrer. Este último, conhecido pela sua acção pregadora, cujos sermões eloquentes e comovedores levaram à conversão de muitos judeus e árabes, considerava-se o Anunciador do Juízo Final. 



Com uma altura de cerca de 26 cm, a imagem exibe um santo ainda com feições juvenis, que não espelham a  vida de sacrifícios extremos a que se submetia. Vestido com o hábito dos dominicanos, túnica e escapulário brancos, manto e pequena capa negros, com pintura e decoração de fino traço, tão ao gosto do século XVIII. 
Os atributos que lhe são apostos, para além das asas, raramente representadas, são, como no caso presente, o indicador direito apontando para o céu, numa clara alusão ao Juiz Supremo e o livro aberto, que segura na mão esquerda, e personifica a eficiência persuasiva e esclarecedora das suas palavras.



A figura jacente a seus pés é uma alusão ao Milagre de Salamanca. Olhando para o Santo, de modo implorativo, a miraculada agradece a graça recebida - a vida. Frei Manuel de Lima, no Agiológico Dominicano, conta-nos, a história desse milagre: "Teve notícia de que em Salamanca alguns ouvintes murmuravam dos seus sermões; ao outro dia sobe ao púlpito e ponderando que São João no seu Apocalipse vira um anjo, que pregava as vizinhanças do dia do Juízo, continua dizendo: Eu sou este Anjo do Apocalipse, eu sou o mesmo anjo que em figura se representou a São João.Alvoroçou-se o auditório, os censuradores desembuçaram o seu desagrado  e S. Vicente depois de uma breve pausa, torna a dizer: Sossegai, sossegai os escândalos. Acaba de expirar uma mulher à porta de São Paulo, venha aqui esse cadáver e ouçamos o seu testemunho. Veio o cadáver e descobriu.se perante o púlpito e perguntou-lhe o Santo: Mulher sou eu o Anjo do Apocalipse que publica a hora do Juízo universal? Sim, diz a mulher, tu és esse Anjo, tu o que foi representado naquela visão. Torna a perguntar-lhe São Vicente: Queres ficar com vida, ou queres ir para a sepultura? Quero viver, respondeu a mulher. Pois vive, disse o Santo e viveu largos anos, perene testemunha de tão multiplicados prodígios".1




S. Vicente Ferrer  nasceu em  Valência, no ano de 1350. Com dezassete anos deu entrada na Ordem dos Dominicanos. A sua acção pregadora, focada especialmente na necessidade da conversão, espalhou-se pela Europa principalmente pelos países circundantes, como França e Itália. Faleceu em Vannes, França, no ano de 1419. Foi canonizado em Roma pelo Papa Calisto III, em 1455.



Imagem retirada da internet


1- Frei Manuel de Lima "Agiológo Dominio", Tomo II, Lisboa, 1710, pág.32.
Juan Ferdinand Roig, "Iconigrafia de los Santos", Ediciones Omega, 1950.
Jorge Campos Tavares, "Dicionário de Santos", Lello e Irmãos Editores.
António José de Almeida "Iconografia insólita, em Aveiro: Santos alados".



segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Salva de aguardente Miragaia (???)







Uma surpresa ...
Foi posta em praça, no último leilão da Cabral de Moncada, esta salva de aguardente. De imediato, nasceu uma intensa vontade de a ter, que, felizmente, se concretizou.
Face à descrição exaustiva de que foram objecto as peças análogas que vi, lindas e muitíssimo bem caracterizadas nos blogs do Luís, da Maria Andrade e da Maria Paula, creio que não há muito mais a dizer. Talvez, como indicam as várias interrogações apostas no título deste post, esta se possa aproximar do fabrico de Miragaia, pois apresenta as flores que são um dos elementos marcantes da sua produção. Por comparação com as outras peças registadas, a base é muito semelhante às mostradas, diferindo na cercadura do prato e na decoração central.






O prato exibe uma cena de casario alargado, querendo, porventura, lembrar uma pequena localidade, perdida no território. Não é, de todo, a costumada cena do pagode chinês, com as suas cúpulas redondas, a ponte e as árvores laterais. Pelos escassos exemplares que pude observar, todos eles mostram decorações diferenciadas. 

O fim a que se destinavam estas peças - aproveitamento da aguardente, através da recuperação dos pingos caídos dos copos bolcados- faz-me recordar uma pequena história que se passou comigo, já lá vão alguns anos, nas longínquas terras transmontanas. Num fim de tarde de Outubro, chuvoso e em que o frio apertava, fazia-se aguardente num grande alambique de cobre. As brasas ardiam e um fio escorria lentamente para o recipiente onde era recolhido. Quiseram dar-mo a provar, num daqueles pequenos copos de vidro estriado, com as marcas bem nítidas das várias vezes em que tinha sido cheio. Ingenuamente, bebi de uma só vez. As lágrimas caíram, tal o ardor que senti. Remédio santo. Até hoje, nunca mais toquei numa gota desse precioso líquido.



Um outro exemplar desta espécie de peças, este fotografado na leiloeira Marques dos Santos, a quem agradeço a gentileza por me ter permitido fazê-lo.
A decoração é  mais singela e muito agradável ao olhar. O ramo florido atravessa longitudinalmente a superfície do covo, conferindo-lhe um ar primaveril. De possível (?) atribuição a Gaia ou Coimbra, por comparação com algumas terrinas que apresentam decoração e paleta cromática semelhantes.