segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Fidalgo e fidalguinhos






Evoco esta peça em memória de meu Pai,  arquitecto de profissão, que me transmitiu o gosto pela faiança portuguesa. Toda a sua vida esteve ligada aos Monumentos Nacionais. Como arquitecto urbanista da Câmara Municipal de Elvas, muitas foram as vezes que o acompanhei nas suas deslocações. Longe estava eu de pensar que este - e outros vasos análogos - se chamavam "fidalguinhos".
Quis o destino que o fidalgo, passadas algumas décadas, voltasse para a terra natal de meus Pais. Não para as planuras alentejanas e sim para as penedias agrestes de Trás-os-Montes. Voltou não para o Alentejo mas para Lisboa, a meio caminho do seu berço original - a Olaria Alfacinha -, em Estremoz. 




Caetano Augusto da Conceição fundou a Olaria Alfacinha, ainda no século XIX. Nascido em Lisboa, foi educado na Casa Pia de Évora . Aí aprendeu desenho ornamental e decorativo, disciplinas que integravam o currículo do curso de carpinteiro-marceneiro, que terminou com êxito.
Mais tarde, já casado e instalado em Estremoz,  dedicar-se à produção de peças de olaria, a que conferiu cunho pessoal e inovador, criando objectos com decoração original. Nas palavras de Joaquim José Vermelho, estremocense profundamente interessado na cultura local, que procurou promover e conservar, o "Alfacinha era um homem de iniciativa, decidido, empreendedor, com formação cultural e artística diferente da dos outros colegas de ofício" que deu "à louça vermelha de Estremoz um apreciável impulso, promovendo até a sua exportação para vários países da Europa, de África e para o Brasil"1. Morreu em 1902, quando se encontrava a participar na feira de S. João, em Évora.
A tradição de trabalhar o barro vermelho de Estremoz mantém-se na família Alfacinha. Caetano Augusto da Conceição fundou a Olaria Alfacinha, ainda no século XIX.. Esta família, profundamente ligada à produção oleira dos bonecos de Estremoz, marcou e fez a diferença, tendo um papel relevante e, quiçá histórico, na "continuidade da tradição do barro, olaria e barrística por cerca de um século"2.
Mariano da Conceição integrou o corpo docente da Escola das Artes e Ofícios, criada pelo escultor José Sá de Lemos. Inspirando-se nos modelos recolhidos por alguns colecionadores como o pintor Júlio Maria Reis Pereira, fez renascer a tradição das Cantarinhas e Pucarinhos, reproduzindo  excelentes exemplares e executando outros a que deu a sua interpretação pessoal como "Bilhas e  Moringues inspirados em troncos de azinheira, com asas e decoração aproveitando dos ramos, folhas e frutos da referida e característica espécie arbórea alentejana"3., dos quais o Museu Rural de Estremoz tem uma série dos anos 50. Introduz as “Cantarinhas enfeitadas”, que são peças de maiores dimensões  com uma decoração ligeiramente diferente, da qual se destacam as flores abertas e não em botão como é apanágio nos “Pucarinhos enfeitados”, também chamados de “Fidalguinhos 






Mestre Mariano da Conceição, oleiro e bonequeiro 4






Cantarinhas e púcaros de barro vermelho são duas das espécies produzidas desde sempre no centro oleiro de Estremoz.  Ricamente pintadas e decoradas, das suas asas e tampas saem ramos de flores, talvez numa versão popular, quer das flores pintadas nas naturezas mortas dos séculos XVII e XVIII, quer das jarras que ornamentavam oratórios e  altares barrocos.


 Eis um conjunto do "fidalgo e dos fidalguinhos" representantes da olaria de Estremoz. Só o maior, por ser mais recente, está marcado. Assemelham-se nas formas, cores e ornamentações. Maiores ou de dimensões mais reduzidas, todos tinham como função, para além de alegrarem as casas, pela vivacidade das suas cores, manter a água fresca, especialmente saborosa, qualidade resultante da  particularidade dos barros com que eram feitas.
Executadas pelos oleiro, eram compradas em bruto e, posteriormente, decoradas pelas mulheres. Utilizavam cores garridas - vermelhos, azuis, verdes e zarcão - e aplicavam flores e outros adereços: flores, laços plissados e folhos. Ficaram conhecidas por Cantarinhas Enfeitadas e Púcaros enfeitados (ou fidalguinhos).




Dois fidalguinhos idênticos, graciosos nas suas dimensões e porte. Apresentam um laço de pontas caídas, no centro do bojo e dois outros rematando a pega da asa.







Fidalguinho, talvez mais recuado no tempo (?). Mostra uma particularidade que o diferencia dos outros. Encimando as asas, duas pequenas figuras masculinas. Pelo traje lembram os militares.  A rodeá-los, uma grinalda de flores, que caracteriza uma das figuras da produção da cerâmica de Estremoz, a "Primavera". Também os folhos plissados são em maior quantidade, rodeando superior e inferiormente, o bojo.



.
Imagem retirada "dotempodaoutrasenhora.blogspot.com"


Museu de Estremoz, 2ª metade século XX
imagem retirada da internet

Agradeço, mais uma vez, a total disponibilidade do proprietário dos Fidalguinhos  para os fotografar e publicar as imagens.

1/2/3/4 - Joaquim José Vermelho " Sobre as Cerâmicas de Estremoz Arquivos da Memória", Edições Colibri, Câmara Municipal de Estremoz, págs: 155 ,156 e 158.
Azinhal Abelho "Memórias sobre os Barros de Estremoz". Edições Panorama,1964.