quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Ex votos numa colecção particular

 Ao reler um dos artigos de Carlos Silva Lopes na compilação dos seus textos, efectuada pelo GEAD Gabinete de Estudos de Arte Decorativas da Universidade Católica Portuguesa, edição de 2004, encontrei o texto "Algumas peças de mobiliário nas tábuas votivas portuguesas", publicado no suplemento semanal de O Primeiro de Janeiro, de 3 de Novembro de 1968, onde o autor faz referência a peças de mobiliário desenhadas nessas ingénuas representações votivas. Para além do seu carácter devocional e de agradecimento pelas graças concedidas, são, também, excelentes fontes documentais para o estudo socio económico das épocas em reporte, dado que, muitas delas são datadas.


Neste exemplar, pintura a óleo sobre tela, Dª Maria Antónia Teixeira Chaves agradece a intercessão de Nossa Senhora das Ermidas, pela sua cura devida a um perigozo aborto ocorrido em Dezembro de 1776. O ambiente retratado indicia uma casa nobre. O seu proprietário, João F. Moraes Sarmento, fidalgo de caza de S. Mage. morador na cid de Miranda Reyno de Portugal, pertencia à fidalguia do reino. A imagem de N. Srª das Ermidas  surge ao alto, à direita, sobre nuvens. A composição restante mostra o interior do quarto, com a doente  repousando num leito de espaldar e dossel. Os tecidos são luxuosos, com rendas, franjas e borlas. Outros móveis, como um armário e cadeiras de braços, podem também, ser vistos. O tecto, dividido em caixotões com fechos de talha, mostra a riqueza da família e alguma educação artística do pintor, que representou, com fidelidade, alguns pormenores, que se evidenciam nas "franjas dos cortinados, nas rendas dos lençóis e cobertas das camas dos doentes"1. 



Ex voto invocando Nossa Senhora das Neves ao Captam José d'Affonseca Pinto caso o livrasse de uma grave moléstia (...) Seixo Setembro da era de 1719. A cena representa o interior do quarto do capitão, onde se pode observar o doente, na sua cama de dossel, com panejamentos e cobertas. Está rodeado dos seus serviçais, em atitude de agradecimento a Nossa Senhora que, representada entre nuvens, se encontra em posição cimeira, à esquerda. O pintor representou o quarto com as paredes, chão e tecto pintados de cores variadas. O exame atento destas pinturas revela " facetas curiosíssimas da vida doméstica portuguesa"2. 





Este último ex voto, de cariz mais popular, representa uma graça concedida por Santo António, que livrou uma menina de ser atropelada por um carro de bois. Este quase acidente teve lugar em Vila do Conde, no ano de 1719.
Representa uma cena de exterior, na qual se pode ver uma rua de Vila do Conde onde circula um carro puxado por bois, carregado de sacos e conduzido por um homem do povo. A menina, objecto da graça concedida por Santo António, encontra-se debaixo do carro. A imagem de Santo António, posiciona-se à esquerda, envolvida numa nuvem.
Para terminar esta breve abordagem, ainda nas palavras de Carlos da Silva Lopes " erros e fantasias dos autores das pinturas votivas não anulam o valor documental das representações, quaisquer que elas sejam".  Trate-se de cenas marítimas ou terrestres, de acidentes de viação, de desastres ou de enfermidades na própria casa, com frequência as promessas apresentam pormenores de interesse para a compreensão da vida de outros tempos"3.





1/2/3- Carlos da Silva Lopes " Estudos de História do Mobiliário", pág.123 e 125. 



sábado, 11 de fevereiro de 2017

Mes Dessins. Mes Endroits Préférés.








Portfolio em pergaminho contendo reproduções de 119 desenhos e aguarelas executados pela rainha D. Amélia, entre a última década do século XIX e a primeira do século XX.
Maria Amélia Luísa Helena de Orléans, princesa real de França, nasceu  em Twickenham, Inglaterra, no dia 28 de Setembro de 1865. Era filha de Luís Filipe, Chefe da Casa Real de França e da Infanta de Espanha, Isabel de Orléans  Montpensier. Quando foi levantada a interdição de viver em território francês, imposta aos representantes da família real, estes puderam regressar a França e habitaram o castelo d'Eu, na Normandia. Daí partiu para Portugal, onde entrou em Vilar Formoso, na madrugada de 19 de Maio de 1886. Noiva do Príncipe Real D. Carlos, vem a tornar-se rainha de Portugal em 1889, por morte do rei D. Luís.
Rainha-Mãe e Rainha-Viúva entre 1908 e 1910, parte para o exílio, vindo a fixar residência no Castelo de Chesnay a partir de 1920, local onde viveu até à sua morte, em 25 de Outubro de 1951.O seu corpo regressou a Portugal com honras de Estado, encontrando-se sepultada no Panteão Real do Mosteiro de  S. Vicente de Fora, junto do marido e dos filhos.
Senhora de forte personalidade e de esmerada educação, teve grande preocupação com os mais desventurados, procurando acudir-lhes com palavras e acções de conforto. Por sua iniciativa se criaram obras de assistência, como o Instituto de Socorros a Náufragos, o Dispensário das Crianças, em Alcântara e a Assistência Nacional aos Tuberculosos. Mesmo afastada de Portugal, a sua preocupação era constante. O Conde de Sabugosa, seu fiel e leal amigo, propôs-lhe a edição dos seus desenhos em dois álbuns, com o objectivo de angariar fundos para acudir a tal flagelo.
   

 




Foi, pois, por insistência do Conde de Sabugosa, que a rainha acedeu à sua publicação. A receita apurada destinou-se ao posteriormente denominado Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.  




Editado em 1926,em Paris por "LE GOUPY, EDITEUR, teve uma tiragem de 250 exemplares. Impressão realizada para a Condessa da Ervideira, com o número 151.




Segundo as palavras de Samanta Coleman-Aller "consta de 119 reproduções de desenhos que ilustram uma selecção do mesmo número de textos, escolhidos e manuscritos pela Rainha, de obras de Camões, Homero, Becquer, Dante Allighieri, Petrarca, Zorrilla, Gil Vicente, Baudelaire, Victor Hugo e Alexandre Herculano, entre outros. As "ilustrações" são em ocasiões obras que ocupam por completo a página e, noutras, apenas anotações na margem ou, até, em jeito de letras capitulares. A capa que reúne esta selecção é em pergaminho cor de marfim com dois atilhos em pele que fecham abotoados com pequenas bolinhas de marfim. A frente é decorada com a coroa real ao centro e nos quatro cantos o monograma "MA".

D. Amélia tinha uma especial predilecção por Sintra e Vila Viçosa. Alguns destes desenhos e aguarelas dizem-lhes respeito.



Este desenho do castelo de Vila Viçosa vem referido no índice com a expressão "Muraille extérieure et porte d'entrée du vieux châteaux de villa Viçosa (Dessin), executado em 1901.  O texto que o acompanha pertence à "Divina Comédia", de Dante



Resultado de imagem para castelo de vila viçosa
Imagem retirada da internet




O Paço da Vila, em Sintra, desenhado em 1897, a partir da fonte de Sabugo. Dá-lhe corpo um poema de Garrett:

Oh! Nobres paços da risonha Cintra,
Não sobre a roca erguidos, mas poisados
Na planície tranquilla - que memorias
Não estais recordando saudosas
(...)

Outra ilustração, de um pequeno apontamento do tecto da conhecida "Sala das Pegas" recorda o episódio das pegas de Sintra, passado nos tempos de D.João I e de D. Filipa de Lencastre. Acompanha este desenho um poema recolhido por Garrett, no seu Romanceiro.





O Príncipe Lichnowsky descreve a sala de jantar do Paço de Sintra,  como sendo  a sala das pegas que têm no bico uma fita com a inscrição "Por Bem". O rei D. João I terá ordenado a pintura destas imagens, de modo a que a resposta que deu à rainha D. Filipa, quando esta assistiu ao beijo roubado a uma das suas damas. Sem malícia, unicamente, "Por Bem".
Também interessaram a Rainha outros locais e peças de museu, que desenhou e deixou para a posteridade. Como exemplo, um desenho inspirado na "Pièce d'armure de François 1er par Benvenuto Cellini, existente no Musée d'Ajuda", pintado em 1895, a que juntou palavras de Camões.


Samanta Coleman - Aller, Casa Museu Medeiros e Almeida.
palacio-de-sintra.blogspot.com
Ivete Ferreira - "As Rainhas D. Maria Pia e D. Amélia e o Traje Feminino em Lisboa: 1860-1910". Matrizes da Investigação em Artes Decorativas, pág. 147.